quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A História do Caderno Anne-Marie Chartier

A história do caderno
Para esclarecer a atual situação, talvez seja útil voltar no tempo e refazer a história do caderno. No século 17, nos colégios de elite, os alunos tinham um "livro branco". Encadernado, e muitas vezes grosso, era feito de folhas de papel virgem. Nesse suporte, os estudantes copiavam os textos que acabavam de traduzir (para o latim, o grego ou a língua falada na escola). A tradução, que constituía no exercício base, não era escrita no caderno, mas em uma folha avulsa. Só depois de corrigida ela era copiada no caderno. Vê-se assim que, na época, a finalidade do caderno não era avaliar o progresso do aluno, e sim acumular todos os textos trabalhados, como se fosse um "livro de memória", sem erros.

Nas escolas dos mestres escrivões aritméticos, o princípio era o mesmo. Os discípulos de comerciantes e artesãos aprendiam a escrever e fazer contas e o caderno utilizado para tal servia por toda a vida, reunindo os exemplos (as operações e as resoluções de problemas) e os modelos (de escrita, de caligrafia, fórmulas de correspondência, apresentação de contas, de faturas, de orçamentos etc.). Era um tipo de "obra-prima", capaz de provar que o estudante chegou a um nível de habilidade - todos os testes eram feitos em tabletes de cera, que se desfaziam, ou em folhas avulsas, que não eram conservadas.

Nas escolas onde o povo se instruía, os alunos que aprendiam a ler não tinham caderno. A minoria que permanecia na escola depois das aulas se reunia para aprender a escrever e contar. Os escritos que o mestre julgava bem-sucedidos eram conservados e só depois reunidos e encadernados para formar um caderno.

Nas três situações, o caderno era um manuscrito livre, que o aluno construia para manter a memória daquilo que ele aprendeu e que dava testemunho de seu conhecimento. Como se destinava a ser consultado como um livro, não devia conter erros. Não é de espantar que os cadernos escritos antes de 1850 passem a impressão de um tempo em que todos os alunos eram excelentes.

O que muda no uso dos cadernos são as inovações tecnológicas. Elas definem de outro modo a relação entre o oral e o escrito e entre a leitura e a escrita. Na metade do século 19, o papel de tecido, caro e usado com parcimônia, foi substituído pelo papel de celulose. O preço caiu pela metade e os cadernos ficaram ao alcance da maioria. Ao mesmo tempo, se difundiam as plumas com ponteiras de aço, mais fáceis de usar (com elas, os alunos aprendiam a escrever mais cedo do que nos tempos das plumas de ganso). Dessa forma, nos cadernos que foram conservados, é possível ver linhas de letras e sílabas escritas pelos iniciantes, que tentam depois escrever máximas e provérbios, primeiramente em grandes traços, depois médios e, por fim, muito finos. Temos assim uma ideia do percurso que os alunos faziam anteriormente. Veem-se traços desajeitados, pingos e as marcas de tinta, consertos hesitantes e o desembaraço crescente ao longo das páginas. Começa a nascer o caderno que dá uma visão do aprendizado em andamento.

Na França, enquanto os alunos do Ensino Médio continuavam a fazer cópias impecáveis de textos corrigidos pelos mestres, os do Ensino Fundamental foram submetidos a outra organização. Na Terceira República (1870-1940), como a escola se tornou obrigatória, o governo pedia que os professores reunissem em um único caderno (o chamado "caderno do dia") todos os exercícios feitos em classe à medida que eram executados. A ordem era que os escritos fossem ser uma imagem fiel do que cada aluno era capaz de fazer no momento em que o aprendizado era adquirido. Dessa maneira, os inspetores que chegavam às classes podiam avaliar os mestres e o trabalho deles com maior eficiência. Eles podiam ver as diferenças entre os alunos e o progresso de cada um e constatar como a aula era organizada. Entre 1880 e 1900, o caderno se tornou um verdadeiro espelho da organização dos avanços dos alunos e da semana: ao lado das linhas de escrita, dos ditados e dos problemas, observavam-se mapas, desenhos científicos, cronologias e numerosos motivos decorativos.

Entretanto, como a lembrança dos cadernos "sem erros" da geração anterior ainda era muito presente, ficava impossível fazer as escritas aparecerem "no primeiro esboço", como em um caderno de rascunho. O trabalho dos alunos se fazia, então, em dois momentos: o rascunho era mostrado ao mestre, que indicava correções (coletivas ou individuais) e, depois, a correção do exercício, "passada a limpo". Tem-se um testemunho do aprendizado, mas não a escrita espontânea nos cadernos. A diferença com os cadernos contemporâneos continua muito grande. Entretanto, os dessa época, parecem bem menos belos do que os antigos. Certos mestres da velha geração demoraram a aceitar as novas normas e preferiam manter os ditados sem erros, como nos tempos idos. Esses cadernos de ortografia impecável não devem, portanto, nos fazer acreditar em milagres.

Foi preciso esperar os anos 1920 e 30 para que se generalizasse o uso da tinta vermelha para as correções do professor, as anotações e as felicitações e as críticas duras aos erros e, sobretudo, à falta de asseio (revelada em folhas sujas e escrita desleixada). Até os anos 1960, o caderno não testemunhava as competências pessoais do aluno, mas o desempenho que se podia esperar dele quando estivesse integrado ao grupo e recebesse a vigilância do docente.

A última época foi marcada ao mesmo tempo por uma mudança de ponto de vista sobre a criança e pela chegada de novas ferramentas à escola. As normas educativas familiares ficaram menos autoritárias, a Psicologia do desenvolvimento permitiu aos pais se maravilhar com os primeiros rabiscos dos pequenos e os novos instrumentos de escrita (lápis de cor e canetas coloridas) começam a ser manipulados desde a mais tenra idade: os exercícios gráficos e o desenho à mão livre adentraram a Educação Infantil. Nas turmas de crianças pequenas, não havia cadernos, anotações e correções. O foco do projeto pedagógico era favorecer as atividades lúdicas. Produções feitas em grandes folhas e com tinta, lápis de cor e canetas coloridas passaram a ser colecionadas no portfólio que o educador enviava aos pais no fim do ano como uma evidência do trabalho de seu filho. De posse do material, eles podiam ver como a criança evoluiu, desde o desenho do "homem cabeçudo" até as representações mais completas da figura humana.

É essa concepção da Educação Infantil, em que prevalece a pedagogia da livre expressão, que finalmente adentra a escola elementar nos anos 1960 e 70. As inseguranças do aluno em vias de aprender e inventar parecem mais interessantes do que as realizações revistas e corrigidas pelo professor. Nas pesquisas didáticas sobre as estratégias de aprendizagem, os erros são analisados como signos que manifestam as aquisições - enquanto a Pedagogia tradicional os estigmatizava como sendo um efeito de ignorância ou de desatenção. Com boa vontade (praticar e prestar atenção), os erros poderiam e deveriam ser evitados. Eis que os professores descobrem que os erros podem ser indicadores do progresso do estudante. As descobertas de Emilia Ferrero mostraram isso de modo espetacular no momento de chegada à escrita. Assim, os cadernos testemunham os avanços dos alunos e os professores não devem mais ter vergonha dos erros da turma, mas considerá-los normais.

Além disso, a chegada de aparelhos de reprodução (como mimeógrafos e fotocopiadoras) tornou rapidamente inúteis as atividades antigas de cópia: por que reproduzir manualmente um texto se o professor pode distribuir para cada aluno um impresso? Em alguns anos, a figura dos cadernos mudou. Eles ficaram inchados com o as fotocópias coladas página após página. Os exercícios em que o aluno deve simplesmente preencher as lacunas, completar as informações, se multiplicaram. Como a abundância de tarefas fez com que os cadernos se tornassem bem mais grossos do que antes, eles se multiplicaram: um para Matemática, outro para Ciências...

Vê-se, portanto, que em dois séculos o caderno foi sucessivamente um livro de memória (antes dos anos 1850 e 60), uma vitrine do trabalho escolar (de 1880 aos anos 1960 e 70) e, por fim, o espelho das aprendizagens em curso (a partir dos anos 1970).

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