quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Anne-Marie Chartier Caderno: vitrine da classe, espelho do aluno- Introdução

Anne-Marie Chartier

Caderno: vitrine da classe, espelho do aluno

Anne-Marie Chartier (novaescola@atleitor.com.br)

Anne-Marie Chartier. Foto: Kriz Knack
A autora Doutora em Ciência da Educação, é professora e pesquisadora do Instituto Francês de Educação (Ifé, em francês), em Lyon, na França. Áreas de estudo História da Educação, formação de professores e práticas de ensino.
A cada ano, no mundo, milhões de cadernos escolares são preenchidos pelos alunos. A maioria vai acabar no lixo - os traços do aprendizado não têm vocação para serem conservados, salvo em algumas famílias, que os consideram arquivos sentimentais. É no presente que os cadernos têm uma função importante. Como eles são vistos pelo aluno, pelo professor e pelos pais? O que revelam os cadernos escolares?

O estudante que acaba de terminar um exercício pode olhar sua produção com alívio (ufa, acabou!), mas também com satisfação (porque soube fazê-lo bem), com inquietação (tem o sentimento de que falhou) ou ainda com expectativa (não sabe o que o professor vai pensar). Ele pode comparar sua produção com a do colega, mas só quando o professor tiver visto é que saberá quanto "vale" seu trabalho.

Olhando o caderno, o professor, por sua vez, analisa se a consigna foi bem executada e se o aluno a entendeu (ou copiou a resposta de um amigo). Mas ele pode analisar também, de modo mais ou menos intuitivo, duas outras coisas. De uma parte, se a criança fez progressos (se trabalhou mais rápido, se foi até o fim do exercício, se compreendeu a consigna, se foi capaz de corrigir um erro etc.) e se não avançou (o exercício mal foi iniciado, a consigna não foi levada em consideração, a escrita é desastrosa, o caderno foi utilizado para fazer outra coisa, como desenhos). Além disso, o docente pode notar se o trabalho foi ou não uma tarefa interessante do ponto de vista pedagógico. Por exemplo, se quase todos os alunos abandonam o exercício no meio do caminho ou cometem erros, é sinal de que a consigna foi mal formulada ou a questão não foi pertinente. De outro modo, se o exercício é muito fácil, ele tem um papel diferente. Não permite que se aprenda, mas revela quais foram os conhecimentos adquiridos, o que todos sabem fazer. Assim, ao mesmo tempo que revela a dinâmica de aprendizagem de cada aluno, o caderno escolar possibilita ao professor julgar suas propostas pedagógicas em relação ao nível de uma turma.

Graças ao caderno, os pais também podem fazer um julgamento a respeito da criança (ela soube fazer a tarefa solicitada pelo professor? Terminou os exercícios? Se esforça para escrever?) e sobre o educador (ele corrige os exercícios com regularidade? As anotações são afáveis ou desencorajadoras? Gentis ou duras?). O caderno constitui um elo material entre a família e a escola pelo qual os pais conhecem as ligações mantidas entre o educador e o aluno. Eles também se dão conta de que o professor tenta mostrar seu próprio trabalho pelo trabalho da criança e isso explica por quê, em inúmeros países do mundo, os cadernos devem ser assinados pelos pais.

Esses poucos exemplos mostram até que ponto o caderno é uma fonte de informações muito mais rica e complexa do que se pensa. Compreende-se por que os psicólogos escolares (Santos, 2008) podem usá-lo para fazer diagnósticos e os especialistas em aprendizagem e os historiadores podem se servir dele como um arquivo (Chartier, 2002, 2007) que permite adentrar a caixa-preta do trabalho escolar.

Não é inútil, portanto, prestar atenção nesse objeto, tão banal a ponto de os professores não lhe darem o devido valor. Eles discutem entre si sobre os livros escolares (quais adotar? Como identificar os melhores ou mais adequados?), sobre a aplicação de regras (o que fazer com os alunos que não sabem ler bem e não podem ser reprovados? Como incluir crianças com necessidades educacionais especiais [NEEs]?) e sobre as crianças que causam problemas (o que fazer com fulano? Dá para contar com a ajuda da família?). Porém é muito raro que eles conversem a respeito do caderno como se ele fizesse parte da vida privada da classe e das escolhas pessoais do docente.

A questão é muito difícil de abordar coletivamente, já que os cadernos hoje em dia têm a concorrência de outros suportes. Desde os anos 1980, existem apostilas acompanhadas de manuais para o docente. Há folhas avulsas para as crianças desenharem, escreverem ou imprimirem suas produções e fotocópias distribuídas pelo professor. Conforme o caso, essas folhas são coladas no caderno, dia após dia, ou reunidas em arquivos de acordo com a natureza da atividade (desenhos livres, textos inventados, ditados, resumos, mapas, figuras geométricas...).

Enfim, muitas atividades não deixam traços nos cadernos: algumas são apenas orais, outras são organizadas em um texto coletivo, que podem ser escritos em cartazes. É impossível, então, imaginar que se pode julgar a totalidade do trabalho escolar com base no caderno dos alunos.

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