sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Resenha: Livros que tenho lido.

# Livro1- A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos – Annie Leonard


A informação e a consciência são importantes passos para o enfrentamento da crise ambiental. Se não se sabe da existência da crise ambiental ou se se acredita que ela não existe, pouco se pode fazer a respeito. Contudo, como observa a autora, “os indícios da crise ambiental são tão abundantes e alarmantes que cada vez menos pessoas ignoram os limites físicos do planeta”.
Essa grande trabalho desenvolvido por Annie Leonard, eleita Herói do Meio Ambiente pela revista Time, nos ajuda a entender os processos que criam, contribuem, agravam a crise ambiental.
Por meio de uma linguagem acessível e didática, essa prazerosa leitura passa por cinco etapas que possibilitam a perfeita compreensão do tema: extração, produção, distribuição, consumo e descarte.
Do ponto de vista econômico, lembra que “os economistas clássicos reconhecem o meio ambiente apenas como manancial ilimitado, barato ou gratuito de matéria prima para alimentar o crescimento econômico. No entanto, a economia é um subsistema do ecossistema da Terra. Qualquer sistema econômico é uma invenção humana. E qualquer invenção nossa é um subsistema da biosfera. Quando compreendemos isso, somos conduzidos a novas percepções [...] O que acontece quando um subsistema (no caso, o econômico) segue crescendo dentro de outro com tamanho fixo? Ele bate no teto. A economia em expansão vai de encontro aos limites da capacidade planetária de sustentar a vida” e adverte que “Se não reavaliarmos os sistemas de produção e extração e não modificarmos a forma como distribuímos, consumimos e descartamos nossas Coisas modelo que chamo de extrair-fazer-descartar –, o ritmo da economia matará o planeta”.
Aborda a questão demográfica: “o crescimento populacional é parte do problema: estudos apontam esse fator como uma das grandes razões para o aumento exponencial, nos últimos cinquenta anos, do esgotamento dos recursos naturais (árvores, minerais, água potável, pesca etc.). Nós levamos 200 mil anos para chegar ao número de 1 bilhão de pessoas no planeta, registrado no começo do século XIX; pouco mais de um século depois, em 1960, atingimos 3 bilhões; e, desde então, passamos do dobro disso, com os atuais 6,7 bilhões”.
Um dos motivos de a crise ambiental somente se agravar é lembrado pela autora, citando Einstein: “os problemas não podem ser resolvidos sob o mesmo paradigma em que foram criados”.
A autora foi a fundo nas pesquisas e nos revela: “Minhas viagens me fizeram perceber que o problema do lixo estava relacionado com a economia de materiais, que inclui: extração de recursos naturais, como mineração e exploração de madeira; laboratórios químicos e fábricas, onde as Coisas são projetadas e produzidas; grandes redes de lojas internacionais, para onde são transportadas; e astutos comerciais de televisão, criados com a ajuda de psicólogos para seduzir o consumidor [...] Aprendi ainda que todos esses processos fazem parte de uma mesma história que envolve desde entidades como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), até empresas do porte de Chevron, Wal-Mart e Amazon. Envolve ainda as tribos indígenas que protegem florestas tropicais no Equador, as costureiras haitianas que fabricam camisolas para a Disney, as comunidades ogonis que combatem a Shell, na Nigéria, e os camponeses dos algodoais do Uzbequistão. É o que o economista ambiental Jeffrey Morris resumiu, quando perguntei a ele como poderia contabilizar os custos de produção do meu laptop: “Pegue qualquer item, rastreie suas verdadeiras origens e você descobrirá que é necessária toda a economia para fazer qualquer coisa”.
Quanto ao desenvolvimento, termo que foi se perdendo com o passar do tempo, coloca-o nos trilhos ao traçar seus objetivos: “bem-estar humano e ambiental. Se mais infraestrutura, urbanização e consumo de recursos contribuem para tais objetivos, ocorre o desenvolvimento verdadeiro. Mas se começam a comprometer o bem-estar, isso é destruição”.
Aborda a importante e fundamental questão das externalidades negativas: “O preço nas etiquetas tem pouquíssimo a ver com os custos envolvidos na produção das Coisas. Seguramente, alguns dos custos diretos, como os relativos a mão de obra e matéria-prima, estão incluídos no preço, mas esses são inexpressivos se comparados aos custos ocultos externalizados, como a poluição da água potável, o impacto na saúde dos trabalhadores e das comunidades vizinhas às fábricas e as mudanças no clima global. Quem paga por isso? Às vezes são os cidadãos da região, que, nesse caso, têm que comprar água engarrafada, uma vez que a de sua torneira está contaminada. Ou os operários, que pagam do próprio bolso por tratamento de saúde. Ou as futuras gerações, que não contarão com florestas para, por exemplo, regular o ciclo das águas. Já que esses custos são pagos por pessoas e organismos externos às empresas responsáveis por gerá-los, são chamados de custos externalizados. Eu relato o custo externalizado de muitas Coisas neste livro e emprego várias vezes essa expressão”.
Não se esquece do fenômeno da privatização da água: “Muitas pessoas - eu, inclusive – temem que o crescente interesse da iniciativa privada que administra sistemas de abastecimento à base de lucro seja incompatível com o direito coletivo à água e com a administração hídrica sustentável. Por ser essencial à vida, a água deveria ser partilhada e distribuída de maneira justa. Programas de gerenciamento devem ser desenvolvidos, priorizando sustentabilidade de longo prazo, integridade ecológica, participação da comunidade na tomada de decisões e acesso justo, ao invés de lucro. Um movimento global pede que a água seja administrada publicamente e não gerida por empresas privadas, enquanto uma rede de ativistas por “ justiça hídrica” reivindica uma convenção obrigatória na ONU que assegure o direito à água para todos. O Comentário Geral n.15, adotado em 2002 pelo Comitê das Nações Unidas para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reconhece que o direito à água é pré-requisito para a compreensão de todos os outros direitos humanos e para viver com dignidade. Ainda assim, várias multinacionais trabalham para privatizar os sistemas públicos de abastecimento no mundo, tomando decisões baseadas em oportunidades de mercado e lucro potencial. Essas empresas querem expandir o mercado de água engarrafada e a venda de “volumes” que serão transportados por quilômetros até o destino. Quando as comunidades ficarem sem a própria água, serão forçadas a pagar pelo recurso oriundo de outras regiões. Por esse motivo, a revista Economist previu que “a água é o petróleo do século XXI”.
A mineração é vendida como grande sustentáculo da economia brasileira, contudo, na verdade o atual modelo representa uma atividade altamente atrasada e degradadora, nada compatível com a realidade e os anseios do século XXI: “Qual o grande problema de retirar esses recursos inanimados e nada carismáticos da terra? Para começar, há a questão da disponibilidade desses materiais para as futuras gerações. O que consumirmos hoje não crescerá novamente. O fato de nosso modelo econômico primário ser baseado no esgotamento dos recursos não renováveis, como os minerais, é um dos principais pontos cegos do PIB como medida viável de progresso. Conseguimos esses materiais minerando. Sob qualquer ponto de vista, a mineração é um grande atraso: para as pessoas e para o planeta. A céu aberto, em galerias, abaixo da superfície, não importa: são processos poluidores, dependentes de energia e água e quase sempre venenosos e sujos. Comunidades são despejadas de suas terras, os direitos dos trabalhadores são violados e os subprodutos tóxicos colocam a saúde de todos em perigo. E o impacto não acaba quando uma mina é fechada – continua durante anos. Seja de escavação profunda ou de subsuperfície, a mineração implica abrir túneis para o interior da terra. Embora essa provavelmente seja a imagem que venha à cabeça das pessoas quando pensam em mineração, a maior parte da atividade mineradora hoje transcorre em gigantescas minas abertas. A mineração a céu aberto fornece a maior parte dos minerais nos Estados Unidos, e dois terços dos metais em todo o mundo. Isso inclui diamantes, ferro, cobre, ouro e carvão, provenientes de minas imensas. Criar uma lavra a céu aberto significa derrubar árvores e desalojar os habitantes da região, humanos ou animais. Um estudo sobre a indústria de mineração na Índia comparou mapas florestais e minerais e descobriu que as maiores concentrações de carvão, bauxita (usada para fazer alumínio) e minério de ferro estão em áreas florestais, que abrigam a maior parte dos povos nativos e da biodiversidade do país. Nesse tipo de mineração, além dos seres vivos, todas as pedras e o solo que cobrem os valiosos minérios – o que a indústria chama de “entulho” – são removidos com instrumentos invasivos como escavadeiras, sondas, explosivos, caminhões. Os dejetos são empilhados, às vezes à altura de um arranha-céu – as minas a céu aberto produzem de oito a dez vezes mais dejetos que as subterrâneas. Chegar até o minério é só o início. Como mesmo o minério de alto nível contém apenas um pouco do metal puro ou do mineral desejado, ele precisa ser processado, o que envolve mais maquinaria, grande quantidade de água e substâncias químicas. Grande parte do minério termina como rejeito – em uma quantidade cada vez maior, à medida que as fontes de alta qualidade desaparecem. Segundo o relatório Dirty Metals, elaborado pelo Earthworks (grupo de defesa do meio ambiente especializado em questões de mineração) e pela Oxfam America, nos Estados Unidos o cobre extraído no início do século XX era composto de 2,5% de metal utilizável; hoje, a proporção caiu para 0,51%. Na extração do ouro, estima-se que apenas 0,00001% do minério seja realmente refinado em ouro.72 Substâncias químicas usadas no processamento contaminam ao menos 90 bilhões de toneladas de rejeitos de minério por ano no mundo, o equivalente a quase nove vezes a quantidade de lixo produzida no mesmo período por todas as cidades americanas. Poderíamos pensar que, dados todos os custos – da contaminação da água, do ar e do solo à assistência médica aos trabalhadores –, as mineradoras acabem não obtendo grandes lucros. No entanto, apenas uma quantidade ínfima dos custos reais é assumida pelas empresas; seus balanços quase nunca consideram a água ou a qualidade do ar. Aliás, minerar nas terras federais dos Estados Unidos é praticamente uma atividade gratuita Talvez seja possível extrair metais, carvão ou petróleo sem abusos ao meio ambiente e aos direitos humanos, mas eu ainda não presenciei isso. E, no caso dos metais pesados tóxicos – como chumbo e mercúrio – ou do petróleo, tirá-los do solo é só o primeiro problema. O uso desses recursos contribui para uma segunda geração de questões, já que muitos metais pesados são neurotoxinas, carcinógenos e toxinas reprodutivas (que diminuem a capacidade de gerar crianças saudáveis) [...] Vejamos os metais pesados encontrados na natureza. Nós os extraímos, os usamos em bens de consumo e os distribuímos em torno do planeta numa escala avassaladora. Por exemplo, as emissões de chumbo de fontes industriais são 27 vezes maiores do que as emissões por meios naturais. 91 Há uma razão por que a natureza guardou esses metais no subsolo, ao invés de circulá-los em sistemas biológicos: eles são extremamente tóxicos. Mesmo a exposição em baixos níveis a esses elementos químicos causa problemas neurológicos, reprodutivos e de desenvolvimento. Muitos deles, ao penetrarem num organismo vivo, permanecem ali por décadas até serem expelidos”.
Constata que já ultrapassamos os limites do planeta: “A Global Footprint Network (GFN) calcula a pegada ecológica de vários países e até do planeta. Após medir o uso de recursos naturais e de serviços oferecidos pelos ecossistemas, como regulação do clima e ciclos de água, chega à área necessária para sustentar esse uso. Segundo a GFN, o mundo hoje consome os recursos produzidos pelo equivalente a 1,4 Terra por ano (ou seja, o planeta precisaria de um ano e quatro meses para se recuperar do que é consumido anualmente).34 Isso corresponde a um planeta 40% maior do que o nosso! Como isso é possível? Essa difícil verdade inspirou a expressão one planet living [viver de um planeta], que se refere ao objetivo de redesenhar nossas economias e sociedades para vivermos bem dentro de nossos limites ecológicos. A GFN também identificou o dia de cada ano em que “extrapolamos”, ou seja, o dia além do qual passamos a consumir mais do que a Terra é capaz de regenerar naquele ano. O primeiro ano em que usamos mais do que o planeta poderia sustentar foi 1986. O Dia da Dívida Ecológica naquele ano foi 31 de dezembro. Menos de uma década depois, em 1995, a data em que alcançamos o limite havia recuado mais de mês: 21 de novembro. Na década seguinte, em 2005, o dia limite foi 2 de outubro. Trata-se de uma trajetória insustentável! Precisamos trilhar um caminho diferente, começando por desafiar a premissa de que a produção e o consumo de Coisas são, necessariamente, o motor da economia. O impulso para o consumo excessivo não pertence à natureza humana, e tampouco é um direito natural. Devemos contestar quando nos chamam de “nação de consumidores”; individual e coletivamente, somos muito mais do que isso. Para ajudar a ver uma saída para essa loucura consumista, é útil compreender quão deliberadamente a cultura e as estruturas que promovem o consumismo foram arquitetadas ao longo do último século”.
O Brasil e a Amazônia não poderiam ser deixados de fora, incluindo a insanidade da construção de megabarragens em pela floresta Amazônica, as quais servem para atender aos interesses da mineração: “as fundições em países ricos estão sendo gradativamente abandonadas em favor da construção de novas unidades em países que tenham também grandes áreas disponíveis, como Moçambique, Chile, Islândia e Brasil, ao longo do rio Amazonas. A construção de barragens, para alimentar as usinas, e de estradas, junto com toda a infraestrutura necessária, e mais os resíduos e as emissões após as usinas entrarem em funcionamento, tudo isso representa uma séria ameaça à vida humana, animal e vegetal, e ao clima. Por exemplo, uma fundição planejada para ser erguida na Islândia inundaria uma área com centenas de cachoeiras deslumbrantes e hábitat de renas, além de outras espécies vulneráveis. Glenn Switkes, da International Rivers, organização dedicada a proteger rios ao redor do mundo, explica que as produtoras de alumínio são a principal motivação do governo brasileiro para represar os maiores rios da Amazônia: “As empresas de alumínio estão indo para os trópicos porque os governos dos países em desenvolvimento lhes fornecem energia subsidiada das hidrelétricas. Essas barragens têm impactos irreversíveis na biodiversidade e desalojam milhares de habitantes ribeirinhos e povos indígenas”.
E as coisas não trazem felicidade? Não!: “Coisas não trazem felicidade. A felicidade reside em estar próximo da família, dos amigos, da natureza. Relacionamentos saudáveis com familiares, amigos, colegas e vizinhos já foram comprovados como fator determinante de felicidade, uma vez que as necessidades primárias estão sendo atendidas. Os estudos documentam que valores fortemente materialistas estão associados a uma redução generalizada do bem-estar das pessoas: desde baixa satisfação e baixa felicidade com a vida até depressão, ansiedade e problemas físicos, como dores de cabeça, distúrbios de personalidade, narcisismo e comportamento antissocial. Kasser mostra ainda como essas aflições terminam por alimentar mais consumo, já que, segundo a sabedoria popular, “fazer umas comprinhas sempre levanta o moral”. As pessoas acreditam nisso e, assim, recomeça o círculo vicioso”.
A contribuição do consumismo para a crise ambiental foi abordada: “O surgimento da sociedade de consumo não foi inevitável nem acidental. Pelo contrário, resultou da convergência de quatro forças: um conjunto de ideias que afirmam que a Terra existe para nosso usufruto; a ascensão do capitalismo moderno; a aptidão tecnológica; e o extraordinário acúmulo de riquezas pela América do Norte, onde o modelo de consumo massificado lançou raízes pela primeira vez. Mais diretamente, nosso comportamento consumista é resultado de propaganda sedutora, aprisionamento pelo crédito fácil, ignorância sobre as substâncias perigosas de muito do que consumimos, desintegração da comunidade, indiferença pelo futuro, corrupção política e atrofia de meios alternativos de subsistência [...] foi criada uma nova estratégia para manter os clientes comprando: a da obsolescência planejada, segundo a qual alguns bens devem ser “programados para o lixo”. Brooks Stevens, desenhista industrial americano a quem se atribui a popularização dessa expressão nos anos 1950, explica que se trata de “instigar no comprador o desejo de possuir algo um pouco mais novo, um pouco melhor e um pouco mais rápido que o necessário”.
O livro tem muito mais; é repleto de boas informações. Altamente recomendado, inclusive para aqueles da área jurídica, pois ilumina o estudo do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, áreas intrinsecamente conectadas (uma vez que o consumismo é o grande responsável pelo desequilíbrio ambiental), trazendo uma importante interface para incrementar o repertório do estudioso.


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