CAATINGA
A beleza brasileira que persiste sol a sol
Nenhum outro lugar do mundo mostra de forma tão escancarada a
explosão da vida como na caatinga. Bioma que se apresenta em constante
metamorfose, é o único exclusivamente brasileiro, a despeito dos preconceitos
em torno dele. Erroneamente, diz-se da caatinga um pedaço grande de secura,
miséria e bichos mortos pelo caminho. O sertanejo já foi retratado como homem
amargurado e isolado. Sem dúvida há o problema da seca no Nordeste, há fome e
há áreas em ameaça de desertificação. Mas não se pode negar a existência de fauna e
a flora únicas
na região semi-árida, que mostram suas cores não apenas na estação das chuvas.
A caatinga, na verdade, é rica em biodiversidade e quase toda
inexplorada. Tem como aspecto mais marcante a força dos seres vivos que se
adaptam misteriosamente a condições que até a ciência duvida. Espécies
vegetais, animais e também os humanos: o sertanejo é mesmo um forte.
De clima semi-árido que um dia – até 12 mil anos atrás – já foi
úmido, a região tem duas estações, a seca e a de chuvas. Na estação seca há uma
economia em massa de energia por parte de todas as espécies. Onde havia folhas,
há espinhos. Répteis e anfíbios somem quase que totalmente. Não se sabe se
hibernam, se apenas se escondem, mas é certo que voltam. Os mamíferos maiores
aglomeram-se em áreas mais úmidas, como as serras. Algumas aves e pequenos
animais, como o tatu, ainda circulam pelas áreas secas. Dá para ver os seres
vivos em resistência, mas o olhar tem de ser mais apurado para enxergar a
beleza áspera. Não é qualquer aventureiro que chega no meio da estação seca e
percebe os movimentos. Mesmo porque a lentidão impera, sons não são tão perceptíveis
como numa mata tropical. Andar pela caatinga é mais fácil do que andar pela
floresta – embora haja redutos de matas e árvores maiores no meio desse bioma –
porque se vê melhor onde se pisa.
A fauna, comparada à da Amazônia ou mesmo à do Cerrado é mais
reduzida, em quantidade e tamanho – a onça-pintada de lá é menor que a onça das
florestas tropicais. A vegetação, caracterizada por cactos e bromélias é mais
baixa, como os homens e os bichos. Ser menor em tamanho é ser do tamanho
facilitado pela natureza para, no caso da fauna, se
movimentar, andar por entre as mais de mil espécies espinhosas como o
xique-xique, o facheiro, o quipá e a coroa-de-frade. Não é à toa que o pequeno
mamífero que mais se vê no chão, entre os galhos finos e as plantas urticantes,
é o tatu. Compacto, protegido por uma carcaça, sai em busca de comida dando
curtos e rápidos passos. E se os vegetais também são compactos é por pura
economia de energia. Cada gota de água armanezada não pode ser perdida – um
organismo grande trabalharia muito mais nas reações químicas e biológicas para
permanecer em tamanha secura. A vegetação da caatinga encolhe-se, troca folhas
por espinhos e muda de posição para evitar um sol ardente tão em cima de seu
organismo porque quer continuar viva.
A rigidez das espécies em estado de alerta acaba com a grande
festa do sertão, que é a troca de estação, época do carnaval de cores que
explode em menos de um mês de pluviosidade. Antes das chuvas começarem, os
olhos dos bichos e dos homens já reparam em nuvens densas e escuras se
aglutinando no céu. É um nublado, sim, mas em terra de céu azul constante o
bonito é o cinza, o prenúncio da esperada queda d’água. Quem conhece bem o
pedaço fica de olho no mandacaru, vegetação-símbolo, personagem até de letra de
forró por ser um dos mais famosos sinalizadores da chuva. O cacto, que só
existe lá, prenuncia a chegada da água céu abaixo quando mostra seus frutos
vermelhos, cheios de gosmas por dentro, que alimenta aves e dá esperança a quem
vive no solo rachado. (“Mandacaru quando flora na
seca, é o sinal que a chuva chega no sertão”, Luiz Gonzaga em “Xote das
Meninas”).
Já por volta do 15º dia de chuva a paisagem se transforma. Passar
pelo mesmo lugar duas vezes pode trazer a surpresa de um verde inusitado nas
gramíneas, nos arbustos e árvores. Os animais que estavam muquiados nos
troncos, se movimentando pouco e fugindo do sol dão as caras. Revoadas de
borboleta cruzam os caminhos. É bicho que sai de todos os lados para se
encontrar, reproduzir, tirar alimento novo dos ecossistemas.
O local de maior destaque nacional da caatinga é a serra da
Capivara, no sudeste do estado do Piauí. Considerado pela Unesco patrimônio
cultural da humanidade desde 1991, o parque nacional esconde relíquias naturais
de cerca de 20 mil anos. Além da paisagem que ainda conserva exemplares
vegetais da época em que a região era úmida – isso há mais de 10 mil anos –,
encontra-se lá uma quantidade incrível de pinturas rupestres nas pedras que
representam as relações dos homens e sua convivência com o meio
ambiente.
O Museu do Homem Americano, no município piauiense de São Raimundo
Nonato, abriga, além das pinturas, uma mandíbula de tigre- dentes-de-sabre, um
pedaço de crânio fossilizado e um machado de pedra polida. Mais selvagem,
difícil de explorar e quatro vezes maior em tamanho, a serra das Confusões só
foi 20% explorada.
Andar pelo meio da vegetação, descer por entre os cânions e
embrenhar-se em cavernas não é tarefa simples nem para os próprios sertanejos
nessa região de pouco acesso. O nome – Confusões – mostra que muitos
colonizadores já se perderam por ali, principalmente pela luz forte refletida
das grandes pedras. Até com potentes óculos escuros é difícil se acostumar com
tanta claridade. Muito ainda está escondido nesse ecossistema,
como em todo o bioma da caatinga.
- Área total - 735 000 km²
- Área intacta - 70%
- Área protegida - 4,8%
Conservação e ameaça
Pobreza, desigualdade de divisão de terras, queimadas e expansão
mal planejada da agricultura configuram as maiores ameaças a esse bioma. As
entidades internacionais geralmente têm atenção voltada quase toda para a
Amazônia, deixando de lado outros biomas brasileiros, como o da caatinga –
apesar de a região ter sido reconhecida como reserva da Biosfera, pela Unesco.
A primeira tentativa recente de mudar o preconceito em relação à região ocorreu
no fim do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi realizado pelo Ministério do Meio
Ambiente e um consórcio de entidades (bancos, ONGs e comunidade
científica) um workshop de áreas prioritárias para conservação da caatinga, em
2000, em Petrolina (PE). A idéia era mostrar que a caatinga não é um “resto” de
outros biomas, mas sim um bioma diferenciado que tem muito que oferecer em
biodiversidade. O governo Lula, por meio do Ministério do Ambiente e Secretaria
de Biodiversidade e Floresta, criou no começo de 2004 o Núcleo do Bioma
Caatinga. Esse núcleo pretende potencializar o que já tem sido feito na região
– trabalhos de ONGs e ações do governo, como o manejo da lenha e carvão – e
articular novos trabalhos. Áreas que já estão em fase de implementação dos
projetos: sertão que une Alagoas, Sergipe e Bahia, sudoeste baiano, norte de
Minas Gerais, Petrolina/Chapada do Araripe, em Pernambuco, Seridó, no Rio
Grande do Norte e Paraíba, Serra de Ibiapaba, no Piauí e Ceará, Cariri
Paraibano e serras da Capivara e das Confusões, no Piauí. Está em pauta também
a revitalização do rio São Francisco, que está quase todo localizado na
caatinga. Ao que tudo indica, uma esperança para a vida do sertão.
A VIDA DA CAATINGA
No interior do Nordeste,
uma das mais incríveis vegetações do mundo sobrevive ao calor, à falta de água
e a terrenos pedregosos
Oásis Montanhoso
A serra dos gringos, no Piauí, é um dos ambientes mais exóticos do
país. Lá estão diversas espécies que não conseguiriam aguentar o calor da
região, mas que sobrevivem ali porque as cavidades da montanha conservam a
umidade. Está prestes a ser considerada pela Unesco como um Patrimônio Natural
da Humanidade
Vida na seca
O calor na caatinga é tão forte que obriga plantas e animais a
adotar estratégias únicas para conservar água. Algumas usam espinhos, outras
perdem folhas e secam. O resultado, em grande parte do ano, são paisagens com
este tom ferrugem
Santa chuva
A caatinga não é só seca. Entre outubro e março, a região começa a
receber tempestades que mudam a paisagem e a tornam mais colorida. Existem, no
entanto, anos problemáticos em que a água simplesmente não vem
Deserto colorido
As plantas aproveitam as épocas de chuva para germinar e se
preparar para os períodos de seca. Os rios – muitos deles temporários – recebem
mais água e, mesmo com o forte calor, o verde toma conta dos espaços
Apenas cactos e arbustos sobrevivem nos terrenos mais áridos da
caatinga. O intrigante é que, mesmo nas piores condições, é possível encontrar
flores como a deste quipá. "Ainda não sabemos como a vida aqui
funciona", diz Marcelo Tabarelli, botânico da Universidade Federal de
Pernambuco que estuda a região
Lá vem água
Quando a seca começa a dar um tempo, o primeiro a anunciar a
mudança de estação é o mandacaru, uma árvore que chega a ter 9 metros de
altura. Pouco antes das chuvas, ele começa a dar um fruto muito apreciado pelas
aves: o babão – uma referência à polpa viscosa. Pouco depois, as tempestades
ajudarão a gerar uma nova planta
Vida noturna
Uma forma de driblar o calor é trabalhar durante a noite. Ao longo
do dia, estes facheiros possuem apenas espinhos. Mas basta o Sol se pôr que
suas flores se abrem e, menos de 24 horas depois, elas já desaparecem. Dessa
forma, a planta consegue germinar sem encarar os horários em que o calor é mais
forte
Só do Brasil
A caatinga não é somente um deserto – é um ecossistema único, que
existe apenas no interior do Nordeste do Brasil. Por esse motivo, possui
animais e vegetais que só sobrevivem ali e que podem ser extintos a qualquer
mudança no ambiente. Daí não ser muita surpresa que ela esteja na lista dos
lugares mais ameaçados do planeta
Situação espinhosa
A coroa-de-frade, natural da Bahia, tem a forma de uma bola com 15
centímetros de diâmetro e uma proteção invejável. À sua volta cresce durante
toda a vida um enorme emaranhado de espinhos, no meio do qual ela esconde
flores e frutos. Mesmo com tantas defesas, a planta está ameaçada de extinção
Planta esperta
O pente-de-macaco é um exemplo de como a vida pode se adaptar bem
à aridez da caatinga. Ele aproveita o calor do sol para esquentar uma vagem a
ponto estourá-la, o que espalha por uma grande área as sementes que estão
dentro dela. Quando chegam as tempestades, a chance de ela conseguir se
reproduzir será muito maior
Muito bem redigido, texto impecável, elucidativo e informações pertinentes.
ResponderExcluirMuito interessante aprender sobre nossa região!!!
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