quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Resenha do livro A elegância do ouriço - Muriel Barbery

Acabo de ler A Elegância do Ouriçode Muriel Barbery, escritora francesa, que encanta com um texto divertido e irônico. A história se passa num elegante bairro de Paris e é narrada por duas personagens diferentes: conhecemos Paloma, uma adolescente esperta, que percebe mais do mundo à sua volta do que deixa transparecer, principalmente em relação à sua família, aos seus amigos e à sociedade em geral; e Renée, zeladora do edifício onde Paloma mora, leitora inveterada, bastante mordaz, que tem sempre uma resposta pronta para qualquer ocasião, que também percebe à sua volta muito mais do que os moradores do edifício lhe dão crédito. É através dos olhos delas que somos apresentados a uma gama de moradores do prédio, parisienses com suas maneiras de viver, congeladas por séculos de civilização. Vemos também o quanto têm em comum estas duas personalidades que se revelam através da narrativa. ——–A história se passa quase inteiramente no edifício à Rua de Grenelle, 7, onde ambas residem. Paloma e Renée passam a vida preocupadas em apagar os traços de suas existências e têm bastante sucesso em se tornarem quase invisíveis aos outros, apesar de terem vidas interiores muito ricas e de quase não perderem nada do que acontece ao seu redor, principalmente quanto às intenções das pessoas que conhecem e seus preconceitos. Elas se protegem contra qualquer indiscrição, contra qualquer comportamento, que possa levá-las a serem descobertas, que possa revelá-las como as pessoas sensíveis que são inteligentes, cultas e mordazes na caracterização dos habitantes do edifício e da sociedade francesa em geral.—-
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Os capítulos do livro, com as impressões de cada uma, são intercalados e assim sabemos de seus pensamentos mais íntimos. Eles nos orientam na narrativa. Visualmente o livro também é dividido. Cada narradora tem seu texto em tipografia diferente, facilitando o reconhecimento das diferentes vozes narrativas. Paloma e Renée são ambas pessoas que não se encontram nem se enquadram entre a maioria na sociedade. E lá pelas tantas acabam estabelecendo uma amizade entre elas, atravessando barreiras culturais e sociais estabelecidas há séculos e descobrem que têm muito em comum quando percebem e analisam o mundo à sua volta.—
Só são descobertas por um novo residente, um oriental, um japonês, que se muda e passa a viver neste abrigo de alto luxo da burguesia parisiense. Sua chegada ao edifício causa muita curiosidade da parte de seus moradores mais tradicionais. Ele, no entanto, assume que é realmente uma pessoa de fora, apesar de usar precisa e corretamente a língua francesa. Como um estranho no ninho, por assim dizer, como uma pessoa de fora, que não precisa nem saber, nem se limitar às regras sociais estabelecidas, ele consegue estender sua amizade às duas mulheres que conhecemos, compreendendo-as e deixando suas personalidades florescerem.—
O livro é cheio de observações de muito humor sobre a vida moderna; divertidas descrições do que é esperado no comportamento de cada um e irônicas coincidências que geram preciosas observações sobre literatura, escrita, envelhecimento, psicanálise, e muitos outros aspectos do dia a dia atual. Tudo isto vem bem empacotado numa maravilhosa escolha de vocabulário, contrastes irônicos e num tom jocoso, sem igual. Eu me achei não só sorrindo, mas em algumas ocasiões rindo comigo mesma, para espanto de qualquer pessoa próxima, com as divertidas observações de Paloma e Renée. E se você é uma dessas pessoas, como eu, que gosta de marcar uma passagem particularmente irônica, ou que seleciona uma frase espetacular, que sublinha seu livro a lápis, para poder voltar mais tarde e encontrar um trecho específico, é melhor ter uma apontador próximo e um lápis ao alcance da mão, porque você acabará se resignando a um livro cheio de anotações e de marcas de colchetes e parênteses.
Muitas vezes, durante a leitura, eu me encontrei pensando nos quadros do pintor belga René Magritte. As observações de Paloma e Renée são tão bem colocadas que se parecem com a superimposição de imagens característica dos trabalhos de maior humor e ironia do pintor. É só nos lembrarmos de um de seus quadros [ele fez muitas versões do mesmo] mais conhecidos: Ceci n’est pas une pipe, [Isto não é um cachimbo] para entendermos como trabalha o humor presente neste livro de Muriel Barbery. Magritte, assim com Renée e Paloma, está sempre brincando com o significado das palavras ou com o significado das imagens, colocando-as juntas e nos obrigando, frequentemente, a pensar visualmente por causa de suas justaposições.
E me pergunto se a autora não teria homenageado o pintor já que uma das personagens principais se chama Renée, a forma feminina do primeiro nome de Magritte. Tão jocoso quanto os nomes que a autora escolheu para as duas irmãs, moradoras do prédio, Paloma e Colombe, que têm como seus primeiros nomes duas palavras com o mesmo significado: pomba, em línguas diferentes. Esta possibilidade ainda se torna mais crível quando nos lembramos de que a autora é professora de filosofia e certamente estaria familiarizada com os trocadilhos visuais que Magritte se empenhou em aprimorar. No final do século XX, os quadros deste pintor ilustraram muito conceitos de filosofia e linguística. Tenho certeza que na próxima vez que vier a ler este livro ainda serei capaz de encontrar mais “coincidências” interessantes que me escaparam na primeira leitura.
Leio muito. E faz algum tempo que não encontro um livro que me deixasse tão encantada, tão absorvida. Recomendo com muitas estrelas. É definitivamente um livro para quem gosta de livros e de ideias.

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